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REVISTA DA MADEIRA - EDIÇÃO N°98 - AGOSTO DE 2006

Eucalipto

Aumento da estabilidade na madeira de eucalipto através de tratamento térmico

A cultura do eucalipto foi introduzida no Brasil inicialmente como árvore decorativa e, devido ao seu extraordinário crescimento e adaptação aos diversos tipos de clima e solos brasileiros, tornou-se uma das espécies florestais mais importante da base florestal nacional. Sua madeira é responsável pelo abastecimento da maior parte do setor industrial de base florestal, suprindo as necessidades de matéria-prima, principalmente, para a produção de papel e celulose, chapa de fibra e energia.

A partir do final da década de 80, algumas empresas do setor buscaram a diversificação do uso da madeira. Numerosas indústrias estão interessadas na possibilidade de diversificação das aplicações da madeira de eucalipto. Devido ao rápido crescimento, à falta de conhecimento e a aplicação de um manejo inadequado no plantio, a madeira apresenta rachaduras e deformações, ambas ocasionadas pelas tensões de crescimento, que estão diretamente relacionadas à estabilidade dimensional da madeira, diminuindo consideravelmente o rendimento em muitos processos produtivos.

O tratamento térmico é uma maneira de se obter madeiras com maior estabilidade dimensional, pela diminuição da higroscopicidade da madeira. Desta forma, o presente estudo tem como objetivo fazer o tratamento térmico em autoclave em meio oxidante e não-oxidante, para verificar a influência dessa abordagem na alteração da higroscopicidade da madeira e a conseqüente alteração da estabilidade dimensional.

As contrações excessivas da madeira de eucaliptos ocorrem devido ao crescimento acelerado, o qual evidencia o aparecimento de defeitos na secagem dessa madeira. Problemas como empenamentos e fendilhamentos tendem a ser maiores em madeira de densidade mais baixa. Também chamados de tensões de crescimento, estas contrações englobam dois grupos de tensões de origem distintas, que coexistem no interior de qualquer espécie arbórea produzindo um auto-equilíbrio durante o crescimento dessas árvores .

O primeiro grupo ocorre devido às cargas resultantes do próprio peso da árvore, o segundo é intrínseco ao processo de maturação das fibras que constituem a madeira, sendo que as tensões referentes ao peso da árvore são desprezíveis em relação ao processo de maturação das células, portanto quando referir ao termo, tensões de crescimento, considera-se principalmente o segundo grupo de tensões .

As tensões de crescimento atuam longitudinalmente e transversalmente em relação ao fuste de uma árvore. No sentido longitudinal apresentam uma variabilidade de gradiente, a partir de uma tração máxima nas proximidades da casca a uma compressão máxima na medula. Já no sentindo transversal, o gradiente se manifesta como tensões radiais de tração de valor nulo na periferia e máximo na medula e tensões tangenciais máximas de compressão periférica e tração na medula.

Tensão de crescimento é o resultado da ação de forças internas que atuam sobre os tecidos das árvores, de forma a mantê-las íntegras e eretas. Ressalta-se a importância dessas tensões para a sobrevivência das árvores, ao afirmarem que inevitáveis pontos de fraqueza em sua estrutura são contrabalançados pelo desenvolvimento das tensões de crescimento. Estas tensões reagem às cargas críticas que podem causar rupturas.

Formas adequadas de manuseio e estocagem, associadas com estratégias de desdobro podem ser aplicadas para reduzir problemas causados pelas tensões de crescimento. Adicionalmente, o melhoramento florestal pode fornecer uma solução biológica para possibilitar a redução dos altos níveis de tensões. Outra maneira de se minimizar as tensões é melhorar a estabilidade dimensional da madeira, o que permite agregar valor aos produtos finais.

Os processos industriais que utilizam o calor como componente básico são diversos, onde a ação deste pode se dar de maneira mais ou menos intensa. Vale ressaltar que outros fatores adicionais influenciam o processo, tais como o tempo de tratamento, a velocidade de aquecimento, a atmosfera, entre outros. Dos diversos tratamentos da madeira através do calor podem-se citar a combustão, a carbonização, a destilação seca e a gaseificação, processos estes que modificam totalmente a madeira, e são utilizados com os objetivos principais da produção de carvão, líquidos pirolenhosos, e gases .

Com a exceção da secagem, a maioria dos processos em que o calor é o componente principal a estrutura da madeira sofre significativas modificações. No entanto, ao se administrar, se possível, a interação ‘madeira x calor’ para atender um objetivo específico, tem-se a ‘termorretificação’ ou ‘retificação térmica’ .

O processo de retificação permite produzir um material com reduzida higroscopicidade, sem a diminuição significativa das propriedades mecânicas. Os autores chamam atenção para a devida avaliação em relação à espécie de madeira e a uma série de parâmetros, tais como: temperatura de tratamento, duração, velocidade do aumento de temperatura, natureza e pressão da fase gasosa, geometria e tamanho das amostras e o teor de umidade inicial.

A retificação térmica da madeira ainda é muito pouco investigada no Brasil.A termorretificação modifica as propriedades da superfície da madeira melhorando sua compatibilidade com componentes orgânicos, como as resinas ou polímeros, o que facilita as operações de impregnação, aderência, fabricação de derivados e o uso de produtos para revestimento de superfície.

Na Europa, onde o assunto já foi bastante explorado, produtos retificados termicamente são comercializados para piso, e já foi utilizada madeira torrada como termo-redutor na indústria siderúrgica. Identificou-se em pesquisas que o tratamento térmico da madeira aumenta a resistência à degradação fúngica, não tendo efeito sobre a resistência à degradação de térmitas. Os trabalhos já efetuados mostraram que o tratamento térmico aumenta a dureza, reduz a flexibilidade da madeira, altera a cor e reduz a higroscopicidade, conferindo lhe uma melhor estabilidade dimensional. A maioria destes resultados foi observada em espécies européias Mesmo nestes paises, o assunto não é considerado esgotado. A diversidade de espécies traz uma variabilidade de características e propriedades muito grande às madeiras tropicais. A retificação térmica traz a possibilidade de controlar esta variação, possibilitando maior homogeneidade à madeira, colocando no mercado algumas espécies atualmente marginalizadas no comércio.

Durante a torrificação, há uma perda de aproximadamente 30% de massa, constituída pelos subprodutos provenientes da degradação da madeira e da umidade contida na mesma. Essa massa perdida é composta por 50,4% de água, 20,7% de condensáveis (ácido pirolenhoso, furfural, ácido acético) e 28,9% de gases não condensáveis (CO2, N2, CO). Portanto, a torrificação é uma secagem drástica da madeira, acompanhada de um início de alteração dos componentes estruturais da madeira: celuloses e hemiceluloses. A lignina só sofre alterações significativas em temperaturas mais elevadas, dando origem a produtos fenólicos.

Entretanto, as ligninas participam de fenômenos de recombinações com certos produtos leves, provenientes da decomposição das hemiceluloses, devido a essas alterações, a madeira adquire propriedades tais como: hidrofobicidade; resistência a biodegradação; ótimo balanço dureza/friabilidade, ou seja, apesar de mais friável, torna-se mais dura.

Verifica-se que o calor provocava alterações na madeira mudando sua propriedade relacionada à contração e o inchamento frente à umidade.

O estágio atual do desenvolvimento dos estudos sobre retificação térmica, indica que o processo é atualmente operacional em escala industrial. Os custos têm-se mostrado compatíveis com as possibilidades de mercado, sendo que inúmeras propostas de aplicações do produto estão se concretizando.

A temperatura e a umidade relativa do ar são os principais fatores de equilíbrio da madeira. À medida que se aumenta a temperatura de secagem, diminui-se a higroscopicidade da madeira.

O teor de umidade de equilíbrio diminui com o aumento da temperatura, principalmente quando consideradas temperaturas acima de 100ºC. Esta redução na higroscopicidade da madeira é provavelmente resultante de pequenas modificações químicas, em especial a degradação parcial das hemiceluloses.

Embora a umidade não possa ser considerada como uma característica intrínseca da madeira, o seu estudo é indispensável por se tratar de um parâmetro que afeta o comportamento do material, quanto à trabalhabilidade, estabilidade dimensional, resistência mecânica e durabilidade natural. Sendo um material orgânico e de estrutura complexa e heterogênea, a madeira é extremamente higroscópica, contraindo ou inchando de acordo com a umidade do ambiente.

As variações dimensionais provocadas pela contração e pelo inchamento da madeira, constituem conjuntamente com a anisotropia, características indesejáveis da madeira, limitando o seu uso para diversas finalidades ou, ainda, exigindo técnicas especificas de utilização.

Quando a madeira não perde e nem absorve água do ambiente, a madeira está em equilíbrio com a umidade do ar, o que é chamado de umidade de equilíbrio da madeira. A madeira deverá sempre ser utilizada com uma umidade próxima ao teor de umidade de equilíbrio higroscópico. Nessa condição a madeira não ira mais apresentar problemas associados à retratibilidade.

Material E Métodos

Madeiras de Eucalyptus grandis, obtidas de povoamento com aproximadamente oito anos de idade, foram coletadas e mantidas em tanques com água na condição verde. Foram retiradas dessas madeiras peças roliças com 40 cm de comprimento, com as quais foram efetuados os ensaios de tratamento térmico em autoclave (figura 1).

Foram realizadas termorretificações, em meio aquoso (oxidante), e em meio inerte com N2 (anti-oxidante), além da testemunha (não retificada).

No tratamento em meio oxidante, foram colocadas amostras de madeira em uma cesta metálica acima de um fundo falso, de modo que as amostras não ficassem em contato direto com a água no fundo da autoclave como apresentado na figura 1. Essas amostras foram tratadas na presença de vapor d’água saturado à temperatura e pressão equivalente do tratamento térmico.

O tratamento em meio inerte (não oxidante) foi realizado da mesma maneira ao tratamento em meio aquoso, sendo que a atmosfera da parte interna da autoclave foi substituída por nitrogênio gasoso.

O programa de temperatura para esses dois tratamentos térmicos foi de 120ºC, por 24 horas.

Ao final dos tratamentos, os toretes termorretificados e a testemunha, foram mantidos em tanques com água por quatro semanas, visando à saturação. Após esta fase, as amostras foram acondicionadas em um galpão protegido da luz do sol por 24 horas, para eliminação do excesso de água. Logo em seguida os toretes tratados e a testemunha foram desdobrados em ripas de 1,0 x 2,0 x 40,0 cm. A partir dessas ripas foram acompanhadas possíveis deformações durante sua secagem gradual em uma câmara de climatização, à 20ºC e 65 % de umidade. A variação de massa foi acompanhada diariamente até o equilíbrio de umidade.

Um segundo experimento foi montado com amostras em cubos de 2,00 X 2,00 X 2,00 cm, orientados em relação as fibras da madeira. Foram realizados quatro tratamentos térmicos em meio aquoso em quatro temperaturas diferentes: 120º, 140º, 160º e 180ºC por duas horas. Essas amostras foram, em seguidas em uma câmara de climatização (20ºC e 65 % de umidade).

Essas amostras foram submetidas a uma segunda condição de temperatura e umidade, foram em uma cuba acrílica, contendo solução saturada de sulfato de zinco (ZnSO4 + 7 H2O), que proporcionou uma umidade relativa interna de 90% em uma sala climatizada na temperatura de 19ºC, como mostra a figura-2.

As amostras foram pesadas diariamente até atingirem teor de umidade de equilíbrio. Em seguida foi calculado o teor de umidade de equilíbrio para todos os tratamentos.

Resultados

Os tratamentos efetuados provocaram muitos defeitos e deformações nas amostras, com muitas rachaduras em forma de “X” e “Y”, característica de madeira com tensões internas.

Notou-se um escurecimento nas madeiras (já esperado) que foram tratadas termicamente em meio oxidante e um escurecimento mais brando nas madeiras tratadas em meio inerte (figura 3). Isso se deve ao fato do oxigênio atuar como um catalisador de algumas reações químicas que ocorrem na madeira.

As ripas (figura 3) retiradas das toras retificadas, após sua secagem, apresentaram muitos defeitos, rachaduras e empenos após secagem em câmara climatizsada, impossibilitando a mensuração do efeito anti contração (ASE), objetivando averiguar a redução das tensões internas. A figura 4 ilustra esses defeitos.

Uma parte dos defeitos ocorreu em função da presença de nós. Outros defeitos possivelmente ocorreram pela intensidade dos tratamentos.

A umidade de equilíbrio alcançada pelas ripas na câmara de climatização demonstrou que houve uma redução da higroscopicidade das ripas tratadas termicamente, em relação às testemunhas (não tratadas), como mostra o quadro 1.

O tempo para atingir a estabilização higroscópica foi o mesmo para os três tratamentos, 14 dias (figura 5). A umidade inicial das ripas era variável em função das modificações ocorridas na estrutura da madeira durante os tratamentos, 61,68% para a testemunha, 84,26% para o tratamento em meio oxidante e 74,99% para o tratamento em meio inerte (quadro 1). Isso se deve ao aumento de porosidade na madeira com os tratamentos.

A umidade de equilíbrio final da madeira em sala climatizada a 60% de umidade relativa foi de 8,94% para o tratamento em meio oxidante,10,02 % para a termohidrólise em meio não-oxidante e 11,89% para a testemunha. A umidade final de equilíbrio é significativamente diferente para os três tratamentos, verificado pelo teste Tukey ao nível de 99%.

Analisando os tratamentos térmicos efetuados em cubos a 120ºC, 140°C, 160°C e 180°C pode-se observar as alterações de cor, as deformações com aumento da temperatura de tratamentos e modificação na higroscopicidades.

Verificou-se que houve uma alteração da cor nas amostras tratadas termicamente, tanto maior quanto maior a temperatura empregada no tratamento.

Foi possível observar rachaduras e contrações após início da secagem na sala climatizada, tanto maior quanto maior a temperatura empregada. Na figura 7 pode-se observar no corpo de prova tratado a 180ºC uma grande deformação, mostrando uma maior contração do lado esquerdo.

A figura 8 ilustra a hidratação das amostras na cuba com solução saturada de sulfato de zinco. Essas amostras foram transportadas diretamente da sala climatizada para a cuba. Cada curva representa a média de oito amostras.

Quanto maior a temperatura do tratamento, menor foi o valor da umidade de equilíbrio da madeira. Foi de 21,35% para a testemunha, 20,35% a 120ºC, 18,06% a 140ºC, 17,47 a 160ºC e 16,40 a 180ºC, o que demonstra a redução da higroscopicidade com os tratamentos.

O teor de umidade de equilíbrio dos diferentes tratamentos apresentou diferença significativa ao nível de 99% (teste de Tukey).

A proposta de minimizar os efeitos das tensões internas da madeira com tratamentos térmicos foi analisada indiretamente por meio da alteração da higroscopicidade.

Os tratamentos térmicos, como esperado, diminuíram a higroscopicidade da madeira conferindo a mesma, como demonstra a literatura, uma maior estabilidade dimensional. A redução da higroscopicidade aumentou com o aumento da temperatura de tratamento.

Como perspectivas para continuação desses estudos, sugere-se tratamentos com temperaturas mais baixas e sem pressão, esperando-se dessa forma que haja redução dos defeitos na madeira retificada.

Ana Cristina dos Santos Azevedo

Bolsista. Aluna do Curso de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília. (ana.azevedo@ibama.gov.br)

Waldir Ferreira Quirino, PhD.

Orientador. Pesquisador da Área de Energia de Biomassa do LPF/IBAMA. waldir@lpf.ibama.gov.br).